segunda-feira, 22 de julho de 2013

A lenda da vitória-régia



Mais uma lenda indígena, e como amanhã pelo calendário entraremos na fase lunar da lua cheia, escolhemos uma história relacionada ao nosso satélite natural.


Do livro: “Histórias à brasileira- a donzela guerreira e outras” recontadas por Ana Maria Machado.

 



A lenda da vitória-régia


Lá no meio da floresta amazônica, onde chove quase todo dia e as sombras ajudam a guardar a umidade, corre uma porção de rios de todos os tamanhos. Às vezes eles transbordam, invadem a terra, viram laguinhos e pântanos, e ficam por muito tempo alagando tudo. Outras vezes, são fiozinhos de água que vão engrossando, cantadores e saltitantes, em corredeiras ou cascatas. E de vez em quando parece que um pedaço desses rios se desvia, contorna um bocado de terra e fica quieto em algum lugar, formando um canal chamado igarapé.

Nas terras e nas águas, tem muitas plantas. De tudo quanto é tamanho, com flor em flor. Mas a flor maior de todas é a vitória-régia, no meio das águas, entre folhas enormes que parecem bandejas, capazes de agüentar o peso de um pequeno animal.
Os índios dizem que nem sempre ela existiu. E contam uma história bonita para explicar como essa flor apareceu.

Dizem que há muito, muito tempo havia à beira do grande rio uma aldeia indígena, com sua clareira bem limpa, suas grandes ocas de palha, suas canoas cavadas num só tronco, sempre  prontas para transportar qualquer coisa pela águas.
Os homens da aldeia costumavam sair para caçar e pescar, e as mulheres ficavam por ali, preparando a comida, fazendo objetos de barro, tecendo as redes. Ao entardecer, todos gostavam de se reunir para conversar e ver o sol se por sobre as águas do grande rio, enquanto os ruídos da mata iam mudando.

Os sagüis e os passarinhos se recolhiam para dormir e, em seu lugar, as aves noturnas vinham piar. Os sapos coaxavam para saudar a noite. Os grilos logo enchiam todo o espaço com seu cricri. E as estrelas piscavam brilhantes no alto do céu escuro.

Contam que nessa aldeia vivia uma cunhã muito linda. Era mesmo uma beleza de moça, e tinha muita vontade de ter uma estrela só para ela.
“Se eu subir numa árvore bem alta e chegar até o galho mais alto, talvez consiga pegar uma estrelinha para mim”, pensava ela.
Uma noite, resolveu experimentar.
Esperou que todos dormissem e subiu no jequitibá mais alto que encontrou. Não adiantou nada, porque ela não conseguiu chegar nem perto das estrelas. Ficou triste e bem contrariada, mas não desistiu.


 


- Tenho outra ideia. Vou tentar jogar uma escada no alto do paredão da noite.
Dali a uns dias, a cunhã começou a tecer uma escada de cipó. Depois, ela aproveitou uma noite bem escura, de estrelas bem faiscantes, foi no alto de uma pedreira que havia lá por perto, subiu na árvore mais alta que encontrou e fez várias tentativas de pescar algum daqueles pontos brilhantes.
Mas, por mais que a moça repetisse os gestos, jogando para o alto os cipós cheios de nós, não havia nada em que a escada improvisada pudesse se apoiar.
E, quando caía de volta, aquele cipoal se embaraçava na copa da árvore e ficava preso, como se fosse erva-de-passarinho. Dava um trabalhão para soltar de novo, antes de outra tentativa. A cunhã sempre acabava tendo de cortar um pedaço. Com isso, a escada comprida ia ficando cada vez mais curta.
Parecia mesmo uma tarefa impossível.




Mas numa noite de verão, quando a lua nasceu, as outras cunhãs a chamaram:
- Venha! Vamos tomar banho no rio!
Estava muito calor, e a ideia de um banho gostoso era tentadora. A cunhã logo se animou e foi com as amigas.
Mergulharam, nadaram, brincaram de jogar água uma nas outras. Depois, quando se cansaram, ficaram quietas, só boiando, deixando a água sustentar o corpo.
Nesse momento a bela cunhã reparou que era possível ver a lua cheia inteirinha refletida nas águas mansas. E montes de pequenas ondulações se repartiam em brilhos, faiscando como estrelinhas de líquido.
Teve então a ideia que faltava:
- Quem sabe eu não estava errada todo esse tempo? Eu pensava que a lua e as estrelas moravam no céu e se refletiam na água. Mas pode ser o contrário, quem sabe?
Olhou mais, pensou e concluiu:
- É isso! Elas moram no fundo do rio e se refletem no céu...
Era mesmo uma beleza. Como se a lua e as estrelas tivessem descido do alto e estivessem chamando as cunhãs para brincar.
A índia atendeu ao chamado, nadou em direção à lua refletida e mergulhou bem fundo.
Desapareceu no mistério escuro da profundeza.

Mas não desapareceu para sempre. Jaci, a Lua, que tudo vê e tudo sabe, ficou com pena dela. E a transformou na maior flor da floresta, linda e perfumada.
Os índios garantem. E dizem também que é por isso que até hoje, quando é noite de lua, se abre a vitória-régia, que sobre as águas flutua.





Ana Maria Machado nasceu no Rio de Janeiro, em 1941. Escreveu mais de 100 livros para crianças, publicados em mais de dezessete países. No ano de 2000, recebeu o prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil.


 

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